Recebemos o Texto abaixo, carinhosamente escrito por nossa Irmã Escoteira Daniele Sampaio, para esse dia tão especial.
Obrigado "Dane" por sua valorosa colaboração, por seu exemplo, por compartilhar com todos um pequeno grande pedaço de vc!
As
lições de um acampamento
A imagem
do escoteiro parece estar eternizada no momento do acampamento, tudo isso
porque de fato é lá que tudo ocorre, temos o universo do escotismo resumido
nessa atividade. E é justo se pararmos para analisar cada detalhe desse
momento.
Basta
perguntar: tem algum escoteiro que não se lembre do seu primeiro acampamento? O
acampamento do escoteiro começa no dia em que o chefe combina que vai fazer um.
No dia em que ele dar missões para arrecadar material para a atividade e você
tem que combinar com a Patrulha como vai fazer isso. É incrível, mas um grupo
de adolescentes, quase crianças, conseguem diante de tantas diferenças se
organizar, encher a paciência dos pais implorando a mãe por uma panela velha
pra doar pra patrulha, aguenta abuso dos comerciantes por um 5 reais que seja
quando é preciso patrocínio, sofre gozação da cara dos outros amigos quando você
conta pra que está fazendo tudo isso, e ainda assim consegue tudo que o chefe
pediu. Depois disso você já aprende que quando quiser algo com muito amor,
ninguém conseguirá impedir. Se essa experiência consegue ter um ensinamento tão
grande em seu planejamento, então já dá para ter noção do impacto que o momento
em si vai causar em sua vida para sempre?
O
frio na barriga nos dois dias antes é uma sensação de ansiedade que jamais
sentirá igual. É uma ansiedade tão própria de um acampamento escoteiro, que é
como se todos os contos de fadas fossem reais, pelo menos dentro de você, porque
de fato você sente as borboletas girando ao seu redor, e de repente os pássaros
falam um idioma que se entende. E agora se perguntarem a alguém em que outro
momento de suas vidas poderão sentir isso, ou pergunte a si próprio, vai ser
realmente difícil lembrar, pois são sintomas próprios do que faz o seu primeiro
acampamento escoteiro.
O
medo de que sua mãe não assine a autorização e do que você está disposto a fazer
para que essa hipótese sequer passe pela cabeça dela? Isso aí é outro sintoma
do que um acampamento escoteiro pode fazer com sua alma, pois até outra pessoa
parece ser! Torna-se um bom filho, é gentil, arruma a cama e não ousa pensar em
agir mal na escola, se torna uma pessoa tão polida que só falta a auréola para
dizer que é o filho que toda mãe pediu a Deus.
No
dia do acampamento, depois de uma noite em claro esperando dar hora de ir
correndo encontrar o grupo e partir pro local, você não mais se questiona, tudo
que passa pela sua mente é aventura, alegria, emoção. E é de fato tudo que lhe
aguarda, esse dia ficará na sua memória para sempre e ainda não sabe disso, só
vai parar para pensar sobre isso uns 10 anos depois, mas esse momento mágico
entrará para sua história como poucos são capazes.
O
melhor acampamento é o que ainda se não sabe como é o local. O local ideal para
um bom acampamento é aquele que não é tão perto que dê para se ouvir buzina de
carros, mas nem tão longe que se precise ir de carro, pois o bom do acampamento
é a caminhada. Como o acampamento se mostra
mais interessante a cada passo sacrificado com o suor no rosto e a sua mochila
com coisas que não vai precisar e mesmo assim colocou dentro e o peso parece
sugar suas costas. Quando a entrada se aponta e você já está todo alegre o
chefe olha pra você com uma cara de quem está realmente se divertindo com o seu
sofrimento e diz: "ainda não chegou, mas é benhaí". Você claro, sente uma leve raiva dentro de suas veias,
mas tudo efeito do cansaço, segue feliz e com uma contraditória paixão por
aquele chefe que parece tão velho e mesmo assim tão forte. "Quando crescer,
quero ser igual a ele", pensa.
Já
no acampamento, depois de um dia inteiro cozinhando, montando barraca, ouvindo
apitadas do chefe, finalmente um banho de rio irá renovar sua alma e quando está
ficando bom, começa um sereno que em dois segundos transforma-se em tempestade,
e então todos se lembram que a panela velha que pegou emprestado de sua mãe,
não tinha tampa. Correndo para a cozinha improvisada com pedras e galhos, ao
olhar aquele feijão com um caldo estranhamente transparente, e ainda assim com
um desejo de comer acompanhado com mortadela e macarrão grudado, com uma leve
crocãncia de areia que caiu desintencionalmente, isso não causa espanto e nem
questiona sua lucidez, isso não é mais fome, isso é desejo de comer. Daqui a
uns anos irá lembrar que em poucos momentos desejou algo tão verdadeiramente
como desejou aquela comida contraditoriamente deliciosa.
No
outro dia às 6 horas da manhã, depois de uma hora de sono quebrado enquanto estava
na vigília, agüentando o cheiro dos gases de seus companheiros, o chefe apita
insistentemente e feliz com o seu grupo vai cantar a música do alvorecer,
quando olha pro lado e tem umas 40
pessoas cantando em coro feliz aquela música é impossível não se contaminar e é
ali onde se nota como a motivação dos
seus amigos é importante, aliás todo o acampamento gira em torno da força que
os amigos tem sobre nós, tudo que “sofremos” até ali foi para está com eles e
com aqueles chefes que uma hora parecem seus pais, outra hora seus irmãos e
algumas talvez seus piores vilões, mas com certeza seus amigos.
Naquele
momento provavelmente não irá notar, mas daqui a uns anos quando se deparar com
uma multidão ao seu redor, com a frieza da solidão que aquela multidão pode ti
passar, irá lembrar do momento em que esteve diante de uma multidão de
escoteiros, alguns talvez desconhecidos e ainda assim sentia-se estranhamente
abrigado, podendo ousar chamá-los de irmãos mesmo sem saber o nome. Esse é um
dos sentimentos mágicos que em nenhum outro meio que conhecemos, iremos sentir.
Depois,
ao voltar pra casa com as roupas sujas, alguns arranhões talvez, e sem pensar
na aparente insensatez de dormir em barracas por uns dias, com pessoas que mal
se conhece, sem nenhum conforto, e com um desejo enorme de deitar em sua cama e
dormir por uns quatro dias consecutivos, é que talvez possa pensar que se
conseguisse passar esses quatro dias dormindo, ao acordar não teria história
alguma para contar, momento nenhum para lembrar e ser feliz, e é quando
pensamos nisso que já estamos sonhando com o próximo acampamento.
Trocar
todo o "desconforto" de dormir fora de casa, comer comida ruim e
dormir em locais desconhecidos, pelo aconchego de sua casa, é certamente a
escolha mais racional, porém não se trata de racionalidade, trata-se de
felicidade. Lembrar que tudo isso vem acompanhado de tantos ensinamentos,
emoções e aventuras realmente impressionantes, faz pensar que ao passarmos mais
um dia de conforto em casa, ele será o mesmo e sua alma não vai ter vivido nada
disso, não terá memórias para contar pros netos e nem motivo para se deparar
rindo a toa.
E
aqui já não precisa mais tanto esforço para entender todas as lições de um
acampamento, e porque toda uma vida escoteira pode ser resumida nesse momento, e
porque esse momento trás consigo tantos ensinamentos e mensagens subliminares, que
consegue desde seu planejamento até a última bandeira ser arriada, resumir tudo
que passará em sua vida, tantas provações, tantos esforços e quantas mudanças
de personalidade para conseguir o que se quer; tanta comida fria para engolir e
ainda assim achar deliciosa, até o fim de suas vidas. Enfim. A alma vive em um
eterno acampamento, até a ultima arriada de bandeira na Terra, quando
finalmente poderá partir para um acampamento maior, “O Grande Acampamento”, nem
sempre com tempo para ser planejado, nem sempre com chances para levar consigo
tudo que se deseja, coisas até desnecessárias que sempre insistimos colocar na
mochila, Este, como um verdadeiro acampamento, mas com certeza o mais
misterioso, com aventuras inesperadas, desconhecidas e provavelmente
emocionantes, como tem-se passado ao longo da existência.
Francisca
Daniele Moreira Sampaio – IM
Escoteiro
Outrora
integrante do 7º GE/CE – Granja - CE